terça-feira, 24 de junho de 2008

A MÚSICA COMO ARTE: AS ARTES A ESTÉTICA DOS SONS E O SÊR HUMANO

"MONÓLOGO DIALOGADO SOBRE: O CONCRETO, O ABSTRATO, O OBJETIVO E O SUBJETIVO NAS ARTES SONORAS

-Arte... ...mas... ...o que são mesmo as Artes?

-Bem... Artes são formas de comunicação capazes de produzirem em nós a emoção estética. Daí a importância das Artes na formação equilibrada do ser humano. Essas formas de comunicação estética direcionam-se a nossa sensibilidade gerando verdadeiros “estados de espírito” em nosso mundo interior.
Não é o conhecimento intelectual quem no fará assimilar a Arte.
Possivelmente, esta é uma das razões pelas quais os Críticos de Arte e também os Professores quando ministram aulas de Arte, são teóricos demais.
Os Críticos de Arte usam e abusam do direito da "procura de defeitos". Por isto, seu cognitivo trabalha bem mais que sua capacidade de "contemplar" a informação estética que lhes está sendo transmitida. Por não conseguirem contemplá-la não são capazes de usufrui-la. Preferem, ou apenas querem analisar o que os intérpretes estão fazendo ou deixam de fazer. É a profissão que escolheram. Teorizam e deixam escapar, ao invés de maravilharem-se com as novas concepções que surgem. Sim! Novas! São novas não apenas por partirem de diferentes intérpretes, mas, o são, igualmente, pelas novas percepções estéticas de um mesmo intérprete que, a cada momento, encontra sutilezas expressivas que enriquecem a obra assim 'revivida'.
Os Professores, (e isto não ocorre não apenas aqui e sim no mundo inteiro), buscam, em geral, encontrar uma fundamentação cognitiva para aquilo que é, simplesmente, emotivo. Na verdade, na maioria das vezes, eles estão preocupados em mostrar conhecimentos e em demonstrar que são capazes de produzir bons conceitos para rótulos, na maioria das vezes, pouco úteis, pois, a música não é feita de conceitos e, ainda menos, de rótulos.

-Um bom exemplo não seria mais esclarecedor?

-Um bom exemplo? Um bom exemplo teórico... ...parece que vou me contradizer... ...não! Então veja! Eu já recebi e tenho presenciado inúmeras aulas de harmonia. Os Professores se esforçam para fazerem os alunos compreenderem as diferenças existentes entre uma “cadência perfeita” e uma “cadência plagal” (por exemplo). Mas, quase sempre isto ocorre de modo canhestramente teórico. De fato, eu nunca presenciei nenhum deles esforçando-se para que o aluno "sinta" os diferentes significados que podem existir entre as diferentes formas de se usar a referida “cadência perfeita”. No entanto, a própria essência da música está constida nos diferentes significados expressivos que as "diferentes formas" encerram. Os fatos musicais apresentam sutis diferenças em seus significados expressivos. Essas diferenças são tão sutis (e, por isto mesmo, tão individuais) que não se sujeitam, sequer, ao pensamento do próprio compositor. Portanto, se formos capazes de ouvir e sentir aquilo que estamos ouvimos, vamos encontrar, com toda a certeza, "cadências perfeitas na forma", mas... ...algumas serão lânguidas e sensuais... Outras parecerão nobres... ...solenes. Há as que são marciais, até mesmo heróicas! Outras?...apenas tristonhas... ...melancólicas, talvez... Certamente haverá as que explodem em efusivo júbilo e aquelas outras que nos preenchem de terna e suave alegria... ...algumas, vamos ouvi-las a sonhar... ...outras?... ....quase indecisas... ...tímidas, não sabem como concluir o seu discurso expressivo...
Mas, na Teoria? São todas iguais!
São todas cadências perfeitas!

-Mas... ...por que assim diferentes, já que são tão perfeitas?

Bem... ...quando ouvirem os sons, quando ouvirem quaisquer sons, busquem sentir o que eles dizem à sua emoção. É lá que se encontra a alma da Arte.
Isto os fará sentir que aquilo que encontramos em uma Obra de Arte vai muito além da Teoria. A Teoria é apenas o fruto da análise intelectual da forma e da estrutura. Análises são sempre intelectuais e jamais poderão ser, esteticamente, comtemplativas. Por assim serem, as análises jamais poderão explicar o que exprimem as Artes, pois, jamais poderão identificar as sutis mudanças de "estados de espírito" produzidas pela decodificação interior da informação estética contida nas obras dos grandes compositores interpretadas por grandes artistas.
Deu para entender?

-É... ...mais ou menos... ...está analítico demais... ...mas Estética não é essa coisa de ficar mais bonito, ser bem malhado, melhorar a conformação do rosto, ter um corpo escultural, fazer cirurgia plástica?

-Apropriaram-se do nome para venderem a beleza. No entanto, Estético é o estado de espírito que se produz em nós pela "contemplação" de uma obra de arte. Esse estado de espírito nada tem a ver com a beleza. Pode até ser trágico, feio... ...até mesmo repulsivo.

-Estado de espírito... ...contemplação... ...é meio complicado... ...tenho ganas de dizer: Ora! Mas que bobagem! De repente aparece um doido gritando por ai que vai me matar e acaba criando em mim um estado de espírito de terror. Então? Ele está criando uma obra de arte?

-Claro que não. Veja! Estando sozinho em seu quarto você pode ser envolvido por uma onda de ternura, de saudade ou por uma raiva enorme a exigir vingança. Mesmo sentindo coisas semelhantes você não estará criando nem contemplando uma Obra de Arte. Está apenas dando vazão a seus sentimentos. É na “contemplação” da obra criada que vamos encontrar elementos capazes de conduzirem a Estética a nosso espírito. Por não ser analítica e sim sincrética a "contemplação", ao contrário da análise, está muito mais ligada ao subjetivo, do que ao objetivo.
Tem mais: o subjetivo está muito mais ligado ao subconsciente do que ao conciente e o subconsciente é uma verdadeira a "Caixa de Pandora" capaz de nos levar a "insights" e a "inspirações". O consciente jamais os faria brotar. Note que acabamos de ligar a Arte à Ciência quando colocamos "insights" e "inspiração" em um mesmo plano oriundo do subconsciente. De fato, ambos são gerados pela ontemplação e não pela análise.

-Bem! Então me esclareça um fato recente. O País todo se comoveu quando alguém jogou sua filha de cinco anos, alegre, gentil simpática, pela janela de um edifício, tendo, primeiro, a estrangulado. Este fato gerou um estado de comoção muito intenso na população brasileira. Suponho, portanto, que esse alguém fez uma obra de arte e que o público brasileiro a acompanhou com um estado de espírito Pleno de Arte. É assim?

- Não! O que ocorreu foi a obra de um assassino.No entanto este mesmo fato pode vir a ser o tema de um filme que atinja um nível artístico tão elevado que venha a ser premiado com um Oscar. Para esclarecermos melhor vamos a um exemplo semelhante mas que não provocou reação alguma, nem no público nem nas autoridades. Um outro assassino, que se julga Artista, amarrou um cachorrinho raquítico deixando-o na Sala de uma Exposição de Arte durante dias e noites, sem comer nem beber nada, definhando lentamente até a morte. Nem mesmo se sabe como esse insano obteve a permissão para fazer tal coisa. Menos ainda como se fosse Arte. Mas os loucos não necessitam de permissão para praticarem suas insanidades. Os campos de concentração, as guerras inúteis que aniquilam o bem estar da humanidade, os assassinatos em massa estão ai para nos mostrarem isto. Ali não existem Obras de Arte. Existem, apenas, elementos destrutivos que minam nossas resistências e acabam nos levando a procurar refúgio, seja na alienação, seja no acovardamento. É curioso que essas posições de alienação sejam também incentivadas pelos políticos que, em geral, não desejam ter reações contrárias. Assim, eles preferem fazer o “marketing” do:

“Não reajam nunca! Façam tudo o que os criminosos mandarem, Não reajam! Reagir é muito perigoso para vocês e para seus filhos!”

Tão diferente de nosso tempo de rapazes no qual, jamais uma dupla de bandidos armados poderia ter estuprado duas moças em um ônibus lotado, ao meio dia, em uma das avenidas mais movimentadas do Recife. Os que ali se encontravam (dentro do ônibus lotado) fingiram que nada viram, que nada ocorria e, assim, ninguém reagiu para as protegerem. Nem elas próprias o fizeram.
É assim que acontece. É assim que nós somos formados. É assim que nos transformamos em seres medrosos e desprovidos de sensibilidade. Preferimos nos refugiamos em nossos temores, o que nos leva a um Estado de Não Arte, a um estado de alienação que apenas é capaz de gerar uma sensação (sensação e não sentimento) atordoada que é abafada pelo vasio do nada. Não queremos nos envolver e passamos o tempo a fingir que não vemos o que ocorre a nossa volta.
Mas... ...vamos voltar ao Nível das Artes.
A emoção estética existe quando é obtida uma interação muito forte entre os elementos expressivos da Obra que contemplamos e os estados de espírito que ela é capaz de gerar em nós. Quando esta interação ocorre, nossa atitude é bem diferente daquela que temos com relação a um pai assassino, a um pseudo artista perturbado ou a dois bandidos estupradores. Efetivamente, nós não queremos destruir a Obra de Arte e, menos ainda, o seu autor (como, efetivamente,pensamos em destruir os assassinos insanos). Queremos preservá-las, protegê-las, mantê-las intactas.
Porque isto?
Porque nossos estados de espírito são produzidos pelas reminiscências armazenadas em nosso subconsciente e revividas pela contemplação de uma obra que, só então, se torna Arte.

É isto! Nós a reconhecemos e revivemos.

Esse estado de contemplação pode ser tão profundo que aquele barulhinho de papel de bombom sendo desembrulhado ou o do celular tocando (mesmo que abafadamente) cria uma espécie de abismo entre a obra que está sendo contemplada e a percepção estética. Também quando lemos um bom livro estamos contemplando o que o autor nos narra e revivendo aquilo que ele nos transmite. Nos incomoda quando tentam interromper esse estado e até, freqüentemente, esquecemos de dormir para não quebrá-lo.
No entanto, quando vamos a um barzinho tomar um chope, a um restaurante chique que tenha uma boa música ambiente, um jazz bem tocado ou quando vamos pular a fogueira e dançar o São João ou nos enfurnamos em uma boate, de fato não vamos “contemplar” nada. Vamos apenas nos divertir.
Divertir, porém, não é o objetivo da Arte.
Seu objetivo é bem superior a isto.
Seu objetivo é o de nos colocar frente a frente com nós mesmos, através da obra de um criador.

-Mas, então... ...como podemos aplicar isso à Música? Ela não é abstrata demais para poder fazer-se contemplar? Contemplar não está mais ligado a “ver” do que a “ouvir”?

-Não! Contemplar é envolver-se através do espírito.
A pessoa que contempla é envolvida por uma comunicação superior e fica em um quase estado de sonho.
Veja! Quando dormimos e sonhamos nós revivemos tudo aquilo com que estamos sonhando. Tudo é sempre muito real. É sempre sentido, é vivido enquanto permanecemos nele. Porém, todos sabemos que o sonho não é um produto do nosso consciente. Ele é produzido pelas reminiscências que se encontram armazenadas em nossa "Caixa de Pandora" e que são revividas enquanto estamos em um estado de alerta pequeno, no que se refere ao consciente.
Entendeu agora?

-É! Mas preciso sentir melhor tudo isto.

- Certo. Então vamos voltar um pouco mais.
De maneira geral existem duas categorias, ou melhor, formas de comunicação humana. Uma delas é objetivamente conduzida e dirigida pelo consciente. É tecnicamente objetiva e sempre analítica. Mas, de súbito, surgem os "brilhantes insight” de grandes cientistas, os quais, em segundos, mudam o rumo do já aceito há milênios, nos fazendo buscar novos caminhos. Tais “insight”, como já vimos, têm, nas Artes" outra denominação. São conhecidos como “inspiração”. É interessante que, aqui, possamos recordar a excelente aula de Schöemberg, em sem seu Tratado de Composição Musical:

Não devemos pensar que podemos compor uma obra musical juntando pedacinhos, uns aos outros, como fazem as crianças em seu jogos de montagens. De fato, a obra composta já se encontra completa no espírito do compositor. É a partir de então que ele a transcreve em partituras e a burila em seus pequenos detalhes.”

Schöemberg me faz lembrar o espanto de HeitorVilla-Lobos, quando, em seu quarto de hotel, sempre acompanhado de sua Mindinha, ele compunha a "Floresta Amazônica". Simultaneamente, conversávamos sobre assuntos os mais diversos. Dentre esses, ele nos contava o filme de “ban-bang” que havia visto naquele mesmo dia (ele não perdia filmes de faroeste). Observando, admirado, a complexidade do que fazia, perguntei-lhe:

...o Villa! Como você consegue nos contar um filme assim tão detalhadamente e, ao mesmo tempo e sem qualquer hesitação, escrever uma obra de tal complexidade? Eu não consigo compreender os gênios (e sobretudo eu não compreendia mesmo, pois, ele escrevia todas as partes da orquestra, com caligrafia impecável e com extremo cuidado nas superposições das mesmas, para que, visualmente, ficassem, todas, exatamente em seus devidos lugares).

Então, ele parou de escrever, parou de contar o filme, olhou para mim incrédulo e disse:

"Essa pergunta me espanta quando parte de um excelente músico como você. Eu já o vi tocando peças minhas e de outros autores de grande complexidade. Volta e meia, sem parar de tocar, você fazia perguntas sobre interpretação ou sobre se tal trecho ou outro não continham erros de impressão ou coisas assim. Mas, para fazer seus questionamentos, você não parava de tocar. Será que você pensa, de fato, que eu estou compondo a Floresta Amazônica, agora? Mas que idéia! Ela já está composta há tempos. Há tempos ela ocupa seu lugar no meu espírito. Neste momento, eu a estou, apenas transcrevendo para que vocês, intérpretes, saibam do que se trata”.

Ele então sorriu, pegou seu inseparável charuto, voltou a contar o filme, e continuou a escrever aquela obra monumental para que nós, os intérpretes, soubéssemos do que se tratava.
Após tanto anos, observando melhor os fatos, compreendo que é assim que nós agimos.
Efetivamente, agora, enquanto estou escrevendo ou quando um grande escritor escreve sua grande obra, não ficamos buscando o que escrever.
Não nos perguntamos uma única vez: o que vem agora?
Menos ainda se vamos colocar um substantivo, um adjetivo, um verbo, um advérbio... ...uma vírgula? ...uma conjunção, uma interjeição? ...por acaso um exclamação?
Nada nos perguntamos.
Absolutamente nada.
É como se uma terceira pessoa estivesse fazendo brotar suas idéias em nós. Idéias que não questionamos.
Apenas as transcrevemos para que os leitores saibam do que se trata.
Tudo brota, sem dúvida, da nossa “Caixa de Pandora”.
Nesse estágio da criação, nada passa pela avaliação cognitiva.
Depois, e apenas depois, surge a observação cognitiva para burilar, recompor, mudar de lugar acrescentar e suprimir. Mas, neste momento, o consciente trabalha apenas em pequenos detalhes.
Analisa e propõe: talvez fique melhor assim ou mais claro dessa maneira.
É!
É de fato assim que acontece e é assim que deve ser.
Se assim não acontecer, será bem melhor destruir todo o já feito e tudo recomeçar, tentando sonhar melhor.
Então?
É fazer tudo novamente, pois, é realmente fantástico nosso subconsciente.
Os grandes gênios conseguem abri-lo melhor e mais profundamente. Assim, suas percepções do sub são mais acuradas e eles, instantaneamente, capturam os conjuntos que formam "um todo coerente".
Já os pequenos, como nós, têm uma percepção mais confusa.
Por isto, captam apenas pequenas partes isoladas e tentam moldá-las com as ferramentas do consciente. Por isto, jamais chegaremos a uma Floresta Amazônica ou a um Pássaro de Fogo, talvez nem mesmo a uma Sonata de Scarlatti.
É esta a verdade.
Mas, voltando a seu questionamento sobre ser, a música, uma arte abstrata. Bem. Não podemos confundir abstrato com subjetivo.
No fundo mesmo, toda comunicação estética é subjetiva. Porém, subjetivo e abstrato são coisas distintas, não é?
Observe: objetivamente, o material que a música utiliza para elaborar suas construções de Arte é o som. O som e o sentido da audição nada têm de abstratos. Ao contrário, são importantes meios de comunicação, fundamentais como elementos de sobrevivência e preservação da espécie humana. O enriquecimento sonoro das linguagens humanas, que se tornaram capazes de traduzir mudanças mínimas de estado afetivo através de pequeníssimas inflexões de voz, é um fato extraordinário. Extraordinário mas muito concreto. Certamente, ele tem amplo parentesco com o nascimento e a evolução da arte musical. Mas nada disto é abstrato. O som, bem como seus elementos variáveis, são concretamente mensurados e traduzidos pela audição. Entenda! Por que razão uma criança recém-nascida se assusta e chora com um trovão violento e parece alegrar-se com a caixinha de música que está por ali? Certamente porque os sons que ouviu lhe transmitiram informações de perigo ou de tranqüilidade, independentemente de qualquer aprendizado anterior.
Aliás, quem a ensinou a chorar se não a própria natureza das coisas?
Você já pode observar, como músico que é, que existem características bem diversificadas, no choro de dor de ouvido, de fome, de frio, de problemas intestinais etc. etc. etc. dos recém nascidos.
Pais atentos e não tão apressados podem identificar isto sem consultarem qualquer serviço de saúde.
Nossa percepção auditiva foi feita para decodificar uma enormidade de sinais e lhes dar a interpretação correta.
É verdade que estamos perdendo o poder de contemplação e mesmo o poder de tradução dos códigos sonoros, visuais, olfativos e táteis que se deteriom cada vez mais. Isto a ponto de quase não mais percebermos as nuances que alteraram o significado das informações que eles nos trazem. É poluição demais a agredir nossos sentidos e, por isto, temos de nos valer, cada vez mais, da tecnologia tentando minorar nossas deficiências.
Comentamos isto com Alexandre Lemos.
Nós lhe dizíamos que, ao entrarmos em uma Catedral Gótica ficamos maravilhados com a obra que ali se encontra e nosso espírito tende ao infinito. Ao mesmo tempo a acústica é tão perfeitamente concebida que, sem o auxílio de qualquer amplificador sonoro, faziam-se sermões que eram perfeitamente inteligíveis.
Os órgãos, os corais e os diversos intrumentos e vozes enchiam aqueles amplos espaços com músicas plenas de emoção. Tão duradouras que, ainda hoje, sobrevivem como produtos da mais pura Arte Musical.

...e em nossos dias? O que ocorre?

Hoje, em nossas pequenas igrejas, todos os pregadores ou simplesmente “faladores” estão de posse de um microfone, ligado a um aparelho amplificador. Sem eles ninguém ouve coisa alguma do que está sendo dito.
Se isto é válido para a fala, também o é para a música.
Carros de som enormes, munidos de uma parafernália amplificadora superlativa, estão nos tornando surdos. E pior! Por serem extremamente agressivos nos tiram qualquer possibilidade da contemplação e mesmo de crítica objetiva do que está sendo executado.
É assim que nos transformamos em clones de um “lider gritador de microfone em punho” o qual pula freneticamente a nossa frente, em um espaço "enormemente alto e amplo” para aumentar seu poder de imposição e domínio. É assim que vamos perdendo o sentido das Artes, pois isto coexiste com igual poluição visual, corporal, olfativa e tátil.
Estamos perdendo tudo o que é natural (inclusive o planeta Terra).
Não sabemos mais contemplar.
Não contemplamos as Artes e, tampouco, nossos filhos, nossos esposas, nossos esposos, noss afamília, as estrelas, o mar, as montanhas, o luar, o canto dos pássaros, a natureza... ...enfim, nossa realidade está nos conduzindo tão somente a reproduzirmos elementos isolados e sem qualquer nexo, em uma espécie de embriaguês coletiva e desvinculada de qualquer aspecto artístico, que dopa pela pobreza repetitiva de um ritmo que nos soterra no submundo do nada.
Enfatizando esses fatos queremos apenas alertar para a extrema importância dos mesmos e para as transformações violentas que provocam na sociedade.
É claro, sendo mesmo possível que continuemos aceitando a inverdade:

A sociedade humana produz aquilo que deseja ser e ter.

Isto não é aceitável.
Infelizmente, nós nos comportamos, ainda, como Eva sendo seduzida pela serpente e perdendo o Paraíso para sempre.
Na verdade, a sociedade humana usa os meios que a tecnologia lhe impõe pela força das bombas ou pela sedução do “marketing”.
De fato, a humanidade já “usou aplaudindo” e tem, em estoque, milhares de ogivas nucleares seduzida que é pelo “marketing da defesa da nação".
É o mesmo marketing da tecnologia que não se cansa de violentar, sempre mais, a própria humanidade.
O planeta continua sendo destruído apesar de nenhum ser humano desejar, voluntariamente, destruir a moradia saudável de seus filhos.
Neste momento, estamos refletindo e analisando para podermos compreender aquilo que nós já fomos, aquilo que somos atualmente e aquilo em que estamos nos tornando.
A Arte espelha tudo isto, bem melhor do que a História de Humanidade.
A História simplesmente registra as causas e os efeitos.
A Arte nos faz reviver e nos convida, através da emoção, a trilharmos outros caminhos.
Certo?

-É bem compreensível. Vou ver se sou capaz de aumentar minha percepção estética.

- Ótimo! Isto é muito bom! Então vamos voltar, um pouco mais, sobre esses sinais sonoros sobre os quais a humanidade vem, há milênios, construindo os signos e os símbolos que nos conduziram à Arte da Música e que, hoje, não mais estão sendo bem compreendidos. Ainda temos ricos depósitos aqui e ali. Um exemplo? Foi sobre esses sinais, signos e símbolos que Ariano Suassuna colocou o sotaque nordestino em todas as formas de Arte que tão bem fermentou e fomentou. Mas vamos deixar esses fatos para os próximos capítulo (ou, postagens). Até breve. Edson Bandeira de Mello�"